I - Introdução
Cada religião é conhecida por sua prática mais
característica. Assim, o Catolicismo tem na Missa seu ato essencial de culto a
Deus. Os espíritas têm como ação típica a invocação dos espíritos, para
conhecer algo do além, isto é, a necromancia, e os protestantes de todos os
naipes são conhecidos pela sua insistência na Bíblia, que eles lêem e
recomendam ler com insistência, como se pela leitura se achasse a salvação.
O pressuposto desses protestantes – hoje, para mascarar
suas divisões, eles ocultam inicialmente o nome de sua seita, e se dizem
genérica e vagamente "evangélicos" – é que qualquer pessoa, por mais
desprovida de conhecimentos que seja, pode ler com fruto a Escritura, porque o
próprio Espírito Santo vai inspirar a ela o sentido verdadeiro do que está
escrito. A Bíblia seria, então, mais fácil de ser entendida do que um romance
de banca de jornal, ou que um gibi. Além disso, cada um poderia dar a
interpretação que desejasse, ou que julgasse ter entendido do texto sagrado. A
Sagrada Escritura não teria um significado objetivamente correto. Todas as
interpretações seriam sempre certas, ainda que fossem interpretações
contraditórias. É o que se chama de livre exame da Bíblia, princípio proclamado
por Lutero para destruir o poder do Papa.
O resultado desse livre exame da
Escritura Sagrada foi uma quase infinita multiplicação de seitas. Tal sistema
instaurou uma verdadeira Babel bíblica. Hoje, há milhares de seitas
"evangélicas", cada qual dando uma interpretação diferente do texto
sagrado, e todas se proclamando verdadeiras.
No fundo, cada protestante é uma "igreja", não
podendo, de fato, existir a Igreja de Cristo. O protestantismo se ergue contra
o poder infalível do Papa, e, para combatê-lo, proclama a infalibilidade
individual de cada falso crente.
Cada um deveria ler a Bíblia, e cada um teria um
entendimento diferente da Sagrada Escritura, negando-se, assim, que haja
realmente um sentido objetivamente verdadeiro e desejado por Deus. Nega-se,
desse modo, que haja "uma só fé". Deus teria feito a Bíblia como uma
"Obra Aberta": ela teria milhares de sentidos possíveis, todos
possivelmente verdadeiros, mas nenhum exclusivamente verdadeiro e único.
Daí o slogan protestante: "Leia a Bíblia".
Ora, curioso é que a própria Bíblia não contenha nenhum
texto que diga: "Leia a Bíblia". Isso é bem natural, porque ninguém
pode dar testemunho de si mesmo (Jo.V, 31). Nem nos dez mandamentos, dados por
Deus a Moisés, nem nas palavras de Cristo se acha a recomendação de que os
cristãos devessem ler a Bíblia.
Por que essa omissão? De onde, então, tiram os
protestantes, de todas as seitas e matizes, essa lei - ou recomendação - de que
todos devem ler a Sagrada Escritura?
Se fosse a leitura da Bíblia necessária para a nossa
salvação, certamente Nosso Senhor Jesus Cristo teria dito aos Apóstolos que a
lessem, e que ordenassem a todos sua leitura. Cristo teria ainda ordenado que
se distribuíssem Bíblias a todos. Nesse caso, Ele talvez tivesse dito:
"Ide e imprimi" em vez de "Ide, pois, e ensinai a todas as
gentes..." (Mt. XXVIII, 19). Ele não ordenou: "Leiam a Bíblia" e
nem "Distribuam Bíblias a todos os povos". Nem mesmo afirmou:
"Recomendem que todos os homens leiam a Bíblia".
E por que jamais disse isso? Evidentemente, os livros –
mesmo os sagrados – são escritos para serem lidos. Portanto, Deus fez as
Sagradas Escrituras para serem lidas. Mas lidas por quem? Por todos?
É claro que não. Se nem todos têm competência para
entender o que está nos livros comuns, e menos ainda nos livros especializados
e científicos, muito menos ainda terão para compreender os livros da Escritura
Sagrada, que são profundíssimos. Um leitor despreparado, ou sem conhecimento
conveniente, não vai entender o texto, ou vai entendê-lo erradamente, ficando
num estado pior do que o de ignorância. Porque pior que não saber, é entender
errado.
Por isso, Deus disse no Livro dos Provérbios: "assim
como um espinheiro está na mão de um bêbado, assim está a parábola na boca do
ignorante" (Prov. XXVI, 7).
Os livros sagrados devem, então, ser lidos só por alguns?
Por quem? Quem teria a missão de ler a Escritura e explicá-la aos sábios e ao
povo mais simples?
Antes de responder a essa questão, para efeito didático,
vejamos algumas citações que facilitarão a compreensão da resposta.
II - A palavra de Deus exige elucidação, porque "a
letra mata"
Das palavras dos Provérbios, que citamos em epígrafe, se
depreende que Deus "encobre" sua palavra. Encobre, isto é, em latim
"cela", oculta, vela suas palavras. Ora, se Deus visa salvar-nos por
meio da Revelação, por que ocultar, encobrir o que Ele quer nos comunicar?
Parece haver nisso uma contradição, porque o que se quer
conhecido não deve ser ocultado. Entretanto, Deus como que cobriu com um véu
suas palavras, envolvendo-as em mistério.
Também os Apóstolos ficaram intrigados pelo fato de que
Jesus só falava ao povo em parábolas e comparações, e perguntaram ao Divino
Mestre: "Por que razão lhes falas por meio de parábolas? Ele, respondendo,
disse-lhes: "Porque a vós é concedido conhecer os mistérios de Reino dos
céus, mas a eles não lhes é concedido. (...) Por isso lhes falo em parábolas,
porque, vendo, não vêem, e ouvindo, não ouvem, nem entendem" ( Mt, XIII,
10 e 13).
Cristo, Nosso Senhor e nosso Redentor, nos mostra que a
palavra de Deus, embora deva, em princípio, ser comunicada a todos, nem a todos
deve ser comunicada a qualquer hora. Alguns, por seus pecados e dureza de
coração, não devem recebê-la senão veladamente, pela parábola, para que não a
profanem, e nem lhes seja ela uma causa de acréscimo de culpa. Por isso,
também, é que Jesus nos disse: " Não deis aos cães o que é santo, nem
lanceis vossas pérolas aos porcos" (Mt, VII, 2).
Há, pois, pessoas que, por seus pecados, estão reduzidas
a tal estado, que a revelação, em vez de lhes fazer bem, lhes será ocasião de
novas culpas. Nesses casos - nos quais se prevê antes um desprezo pelo que Deus
revelou do que um acatamento pelo seu ensinamento – cabe muitas vezes evitar
comunicar o que é santo.
Portanto, nem a todos convém falar, a qualquer hora, das
coisas de Deus, nem dar-lhes nas mãos a Escritura Sagrada, quando é previsível
que irão debochar dela, ou deturpá-la. Quando se presume que isso será o mais
provável, deve-se salvar a pérola preciosa e não dá-la aos porcos. Ou, pelo
menos, esperar o tempo mais oportuno para falar. Porque... " há tempo de
calar e tempo de falar" ( Ecles. III, 7).
Por essas razões, é que a sabedoria de Deus muitas vezes
encobre suas palavras. E a glória dos mestres autorizados consiste em
investigar o discurso de Deus, por meio da exegese de suas parábolas. O próprio
Cristo nos deu exemplo de como se deve fazer essa investigação, ao explicar aos
Apóstolos a parábola do semeador (Mt. XIII, 18-23).
A Sagrada Escritura foi, pois, dada para ser lida
especialmente por alguns que tenham autoridade ou sabedoria, e que, depois,
devem ensiná-la ao povo mais simples, que a deve ouvir.
Por isso, está dito no Eclesiástico: "O sábio
investigará a sabedoria de todos os antigos, e fará o seu estudo nos profetas.
Conservará no seu coração as instruções dos homens célebres, e penetrará também
nas subtilezas das parábolas. Indagará o sentido oculto dos provérbios, e
ocupar-se-á dos enigmas das parábolas (Sir.XXXIX, 1-3).
Não assim os iniciantes, não assim... Pois que está dito
por Deus: "Eles [os operários, que fazem trabalhos com as mãos] não se
assentarão na cadeira do juiz, e não entenderão as leis da justiça; não
ensinarão as regras da moral nem do direito, e não se acharão ocupados na
inteligência das parábolas" ( Sir. XXXVIII, 38).
Para os protestantes – sempre igualitários – todos os
homens são suficientemente sábios para ler e, principalmente, para interpretar
a Escritura, indo, assim, contra o que diz a própria Escritura Sagrada.
Mas Jeremias os contesta dizendo: "Como dizeis vós:
Somos sábios, e a lei do Senhor está conosco? Verdadeiramente o estilete
mentiroso dos escribas gravou a mentira. Os sábios estão confundidos, aterrados
e presos, porque rejeitaram a palavra do Senhor e nenhuma sabedoria há
neles" (Jer. VIII, 8).
Voltaremos a esse verso misterioso sobre o estilete
mentiroso dos escribas que gravou a mentira....
Dissemos que a investigação da palavra de Deus exige uma
certa sabedoria e uma certa autorização, e isso é dito também por São Paulo, ao
prevenir que "a letra mata": "Deus nos fez idôneos ministros do
Novo Testamento, não pela letra, mas pelo espírito, porque a letra mata, mas o
espírito vivifica"(II Cor. III, 6).
Portanto, é a própria Bíblia que nos previne que "a
letra mata".
Entretanto, os protestantes lêem essa palavra e confiam
na letra.
Não compreendendo que "a letra mata", os que se
dizem hoje "evangélicos" passam por cima de outro texto de São Paulo
que nos ensina: "Por isso Isaías diz: ‘Senhor, quem creu em nossa
pregação?’ (Is. LIII,1 e LII, 7) "Logo, a Fé é pelo ouvido, e o ouvido
pela palavra de Cristo" (Rom. X, 16-17).
São Paulo deduz dos termos usados por Isaías - Diz e
Pregação - que a Fé vem pelo ouvido e não pela leitura, embora Isaías tivesse
escrito suas palavras, e não dito, ou pronunciado. O livro de Isaías devia,
então, ser ouvido pelo povo judeu, isto é, explicado por alguém idôneo, e não
simplesmente ser lido por todos.
Essa explicação é confirmada noutro passo das Escrituras
Sagradas, exatamente tratando da leitura de Isaías, nos Atos dos Apóstolos,
quando o Diácono Felipe é enviado por Deus a falar com o eunuco da Rainha de
Candace que, em viagem, lia a Sagrada Escritura: "Correndo Felipe, ouviu
que lia o Profeta Isaías e disse: ‘Compreendes o que lês?’ Ele disse: ‘Como o
poderei (eu compreender) se não houver alguém que me explique?" (At. VIII,
30-31).
Portanto, é a própria Bíblia quem nos diz que não é
possível compreendê-la, se não houver alguém que a explique!
A Religião verdadeira tem por princípio o Verbo de Deus,
isto é, a Palavra de Deus: "No princípio era o Verbo" (Jo. I, 1). Se,
no plano divino, o princípio está no Verbo, no plano humano, o princípio da Fé
é pelo ouvido, porque "a Fé vem pelo ouvido" (Rom. X, 16-17 ), e não
pelo olho que lê. Pelo olho, vem a letra que mata" (II Cor. III,6).
Por todas essas razões, Cristo Nosso Senhor não mandou
ler a Bíblia, e sim ouvir o que Ele revelou na Bíblia, repetindo cinco vezes,
no Sermão da Montanha, o verbo ouvir e não o verbo ler: "Ouvistes o que
foi dito aos antigos: ‘Não matarás...’" (Mt. V, 21).
Ora, isso não "foi dito aos antigos". Foi
escrito.
Apesar disso ter sido escrito e não dito, Jesus Cristo,
ao citar o livro de Moisés, diz ao povo: "Ouvistes" e não
"lestes". E diz "ouvistes", porque normalmente o povo judeu
ouvia a leitura da Escritura nas Sinagogas, onde era lida pelos Mestres: os
Rabis e Doutores da Lei.
Por cinco vezes, no Sermão da Montanha, Cristo emprega a
expressão "Ouvistes o que foi dito aos antigos", em vez de
"lestes", embora se referisse a um texto escrito (Cfr. Mt V, 21, 27,
33, 38 e 43). Essa insistência no uso do verbo ouvir e não do verbo ler é
significativa. Devemos ouvir, mais do que ler a palavra de Deus, porque a Fé
vem pelo ouvido, enquanto a letra mata. Cabe aos mestres idôneos e autorizados
ler e explicar ao povo o que está escrito. E esse foi também o exemplo deixado
por Jesus Cristo que, quando ia à Sinagoga, tomava o Rolo das Escrituras, lia
um trecho e o explicava ao povo, que ouvia e não lia: "Foi a Nazaré, onde
se tinha criado, e entrou na Sinagoga, segundo o seu costume, em dia de sábado
e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe dado o livro do profeta
Isaías..." (Luc. IV 16-17).
O costume dos judeus era ir ouvir a leitura e a
explicação das Escrituras na Sinagoga, aos sábados.
Repetidamente, na Sagrada Escritura, Cristo diz que se
deve ouvir a palavra de Deus. Praticamente Ele não usa o verbo ler. Só uma vez,
no Apocalipse, aparece o verbo ler, mas imediatamente seguido do verbo ouvir:
"Bem aventurado aquele que lê e aquele que ouve as palavras dessa
profecia, e observa as coisas que nela estão escritas, porque o tempo está
próximo"(Apoc. I, 3).
E por que teria sido usado aí, no Apocalipse, o verbo
ler?
Julgamos que, sendo o Apocalipse um livro profético, o
mais misterioso da Sagrada Escritura, Cristo usa nele o verbo ler imediatamente
seguido do verbo ouvir, porque seria extremamente difícil captar e meditar as
palavras desse livro apenas ouvindo. Cristo acrescenta ainda o verbo observar
ao ler, porque não basta ler e ouvir se não se observar, isto é, se não se
puser em prática o que se leu ou ouviu. Esse excepcional uso do verbo ler na
Escritura não muda, porém, a regra geral com relação à importância e
preponderância única do verbo ouvir.
Aliás, para confirmar o que dissemos note-se que o verbo
ouvir aparece sistematicamente no final de cada carta do Apocalipse. Sete vezes
ali se utiliza a fórmula final: "Aquele que tem ouvidos, ouça o que o
Espírito diz às igrejas" (Apoc. II, 7; II, 11; II, 17; II, 29; III, 6;
III, 11; III, 22).
Embora seja cansativo multiplicar as citações, é preciso
repeti-las aos protestantes, pois não se está tratando com bons entendedores,
para os quais meia palavra basta. Está se tratando com maus leitores, para os
quais muitas letras não são suficientes.
Vejamos, então, uma primeira citação dos Evangelhos:
"Todo aquele que ouve minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a
vida eterna." (Jo. V,24).
Note-se: tem a vida eterna quem ouve, não quem lê. Porque
que adianta ler, se não houver quem explique (Cfr At. VIII, 30-31).
E mais: "Todo aquele, pois, que ouve essas minhas
palavras, e as observa, será semelhante ao homem prudente que edificou sua casa
sobre a rocha" (Mt. VII, 24).
Notem-se três coisas:
1) O uso do verbo ouvir e não do verbo ler, que seria o
preferido pelos "evangélicos";
2) Não basta ouvir. É preciso ainda observar as palavras
de Deus. Não basta, então, a Fé. São necessárias as obras, pelas quais se
observa a palavra de Deus;
3) Quem ouve e observa as palavras de Cristo constrói sua
casa sabiamente sobre a rocha, sobre a pedra, isto é, sobre Pedro.
E assim como Cristo não ordenou aos Apóstolos: "Ide
e imprimi e distribuí Bíblias", assim também não disse: "Quem vos lê,
a Mim lê". Pelo contrário, Cristo disse: "Quem vos ouve, a Mim
ouve" (Lc. X, 16).
Não se pense que no Antigo Testamento fosse diferente,
pois que no Livro da Sabedoria se pode encontrar a seguinte regra: "Qui
audet me, non confundetur" "Aquele que me ouve, não será
confundido" (Sir. XIV, 30).
No Livro do Eclesiástico (Sirac) também se pode ter a
confirmação do que dizemos: "Se inclinares teu ouvido, receberás a
doutrina, e se amas escutar, serás sábio" (Sir. VI, 34).
Conclui-se, então, que é também pelo ouvido - e não pela
vista e pela leitura da letra - que se adquire a sabedoria. Pois, se a Fé vem
pelo ouvido, como poderia a Sabedoria vir pela vista e pela leitura?
E como poderia ser de outro modo, se Cristo é essa mesma Sabedoria
feita Homem?
Os protestantes gostam de se referir ao texto em que
Cristo fala de seus "irmãos", isto é, de seus parentes, dizendo:
"Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a
praticam" (Jo. VIII,21); e eles interpretam literalmente a palavra
"irmãos" desse texto, dizendo que Cristo teve, então, irmãos carnais.
Deveriam também interpretar literalmente o resto da frase, concluindo que eles
(os protestantes) não são "irmãos" de Jesus, porque eles não ouvem,
mas lêem as palavras de Cristo.
Noutra ocasião disse Nosso Senhor: "Bem aventurados
os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática" (Lc. XI,28).
Ao contar a parábola do semeador, Cristo conclui
solenemente dizendo: " E dizia: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça"
(Mc. IV, 9).
Aliás, nessa parábola do semeador, no Evangelho de São
Mateus, Cristo utiliza cinco vezes o verbo ouvir, e nenhuma vez o verbo ler. Se
Ele quisesse que fizéssemos o que fazem os protestantes com a Bíblia, Ele bem
facilmente poderia ter usado aí, pelo menos uma vez, o verbo ler. Não usou,
para que – exatamente – não caíssemos no erro luterano de que é obrigatório ler
a Bíblia para que nos salvemos (Cfr Mt. XIII, 18, 19, 20, 22, 23).
Repetidamente, Cristo adverte aos judeus e a nós,
dizendo: "Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça" (Mc. IV, 23).
Também São Paulo prefere o verbo ouvir ao verbo ler - e
poderia São Paulo ter um preferência diferente daquela de Cristo? - pois diz na
I epístola a Timóteo: "... e fazendo isso, te salvarás a ti mesmo e àqueles
que te ouvirem" (I Tim. IV 23).
Já São João nos diz: "Quem conhece a Deus, nos ouve,
quem não é de Deus, não nos ouve. Nisso distinguireis o espírito da verdade e o
espírito do erro" (I Jo. IV,6).
Claríssimo, pois. Para distinguir quem busca a verdade
daquele que busca o erro, aí está a regra: quem tem o espírito do erro não quer
ouvir! Mas o protestante só quer ler.
Deus ordenou a Jeremias, o Profeta, que clamasse:
"Anunciai isso à casa de Jacó, e fazei-o ouvir em Judá, dizendo: Ouve,
povo insensato, que não tens coração; vós que tendes olhos, não vedes; tendes
ouvidos, não ouvis" (Jer. V, 20-21). Isso se aplica tão perfeitamente aos
hereges que parece até ter sido dito diretamente para os que se dizem
"evangélicos", que lêem mas não entendem, e que se recusam a ouvir.
O livro de Jó expõe a mesma doutrina: "Eis que tudo
isso não é senão uma parte de suas obras, e, se apenas temos ouvido um ligeiro
murmúrio de sua voz, quem poderá compreender o trovão de sua grandeza"
(Job. XXVI, 14).
Se as obras da criação são para nós, agora, como que um
murmúrio da voz de Deus, que nos fala através delas - murmúrio, porque na
criação material vemos apenas vestígios de Deus, e nelas vemos a Deus
longinquamente - como poderemos compreender por nós mesmos - sem a orientação
da autoridade posta por Cristo, Pedro, aquele que tem as chaves do reino dos
Céus - como poderemos entender o trovão da voz de Deus na Sagrada Escritura?
III - O verbo ler na Sagrada Escritura
Vimos que, excepcionalmente, aparece na Sagrada Escritura
o verbo ler junto com uma recomendação laudatória no Apocalipse (I, 3). Mas
que, mesmo aí, esse verbo é imediatamente seguido do verbo ouvir e do verbo
observar.
Também noutras vezes em que é usado o verbo ler, sempre
ele é seguido de alguma observação restritiva.
Vimos a passagem muito notável dos Atos dos Apóstolos
(VIII, 30 -31), na qual se observa que não adianta ler, se não houver quem
explique o texto.
Quando os Reis magos foram até Herodes perguntar onde
nascera o Rei dos judeus, ele consultou os Príncipes dos Sacerdotes e os
Escribas sobre a questão. Estes disseram que "Estava escrito" (Mt,
II, 5) que era em Belém. Os Príncipes dos sacerdotes e os Escribas sabiam bem o
que estava escrito: que era em Belém que nasceria o Messias. Mas não se
abalaram para ir até lá. Os magos, que não leram, foram adorar o Redentor em
Belém. Os escribas não foram porque não adianta ler sem compreender.
Quando Cristo Deus entrou triunfante em Jerusalém as
crianças o aclamaram, o que desgostou aos fariseus, que exigiram dele que
fizesse calar as crianças. E Cristo, então, lhes disse, repreendendo-os:
"Nunca lestes: da boca das crianças e dos meninos de peito fizestes sair
um perfeito louvor?" (Mt. XXI, 16).
Com essas palavras Cristo lhes mostrava que, embora tendo
lido a Sagrada Escritura, isso de nada lhes tinha valido, pois eles não
inclinavam seu ouvido à Sabedoria.
São Paulo, repreendendo os Gálatas por se aterem às
práticas da lei judaica, lhes diz: "Dizei-me, vós, os que quereis estar
debaixo da lei, não lestes a lei?" (Gál. IV, 21). E, a seguir, lhes
demonstra que eles não haviam entendido as Escrituras.
A crítica aos que entendiam mal a Escritura é repetida
várias vezes nos Evangelhos, sempre utilizando a expressão "Não
lestes".
Assim, São Mateus nos conta que Jesus, respondendo aos
fariseus que criticavam os discípulos de Jesus por colher espigas no sábado - o
que era proibido pela letra da lei - disse-lhes: "Não lestes o que fez
Davi quando teve fome, e ele e os que com ele iam?" (Mt. XII, 3). "Não
lestes na lei que aos sábados os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam
sem culpa?" (Mt. XII, 5).
Contradizendo a leitura dos fariseus sobre o direito de
repúdio da mulher, Cristo lhes disse: "Não lestes que quem criou o homem
no princípio, criou-os homem e mulher..." (Mt. XIX, 4)."Jesus
disse-lhes: ‘Nunca lestes nas escrituras: "A pedra que fora rejeitada,
pelos que edificavam, tornou-se a pedra angular (...)?"
Em todos esses textos, o verbo ler é empregado contra os
fariseus, mostrando que a simples leitura da Bíblia não lhes foi levada em
mérito e sim em agravamento de culpa.
Portanto, não basta ler a Bíblia.
Quando Cristo se refere à profecia de Daniel de que um
dia a "abominação da desolação" seria "posta no lugar
santo", Ele previne: "Quem lê, entenda" (Mt, XXIV, 15). Esse
"entenda" imediatamente depois do verbo ler, mostra que não adiantava
ler sem entender. Quantos, hoje, que nem entendem um simples artigo de jornal,
pretendem entender a Sagrada Escritura! Mal lêem e pior entendem!
Noutra ocasião, quando um Doutor da Lei veio consultar a
Jesus sobre o que deveria fazer para alcançar a vida eterna, Cristo lhe
perguntou: "O que está escrito na Lei? E como lês tu?" (Lc. X, 26).
A interrogação "como lês tu?" mostra que a
leitura depende da compreensão. Portanto, a simples leitura da Bíblia não é
suficiente. Para alcançar a vida eterna duas coisas são necessárias:
compreender a Revelação e fazer o que se compreendeu que Deus exige de nós.
Portanto, só ler não adianta.
Os saduceus e fariseus - tais quais os protestantes, hoje
- liam as escrituras e isso de nada lhes adiantou. Pelo contrário,
aumentou-lhes a culpa.
Aos saduceus que vieram questionar Cristo sobre a
ressurreição, citando o texto da lei do sororato, Cristo respondeu:
"Errais não compreendendo as escrituras, nem o poder de Deus" (Mt.
XXII, 29).
Em seguida, disse Jesus a esses mesmos saduceus: "E
acerca da ressureição dos mortos, não tendes lido o que Deus disse, falando
convosco: Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Ora, Ele não é Deus dos
mortos, mas dos vivos" (Mt XXII, 31).
Porque o texto estava no livro sagrado, Cristo deveria
ter dito que Deus havia escrito. Em vez disso, Ele usa os verbos dizer e falar
e não escrever. De novo, fica claro que ler só, não adianta: é preciso bem
entender.
Os grandes leitores da Bíblia no tempo de Jesus eram os
fariseus. Como os protestantes, hoje, eles eram capazes de citar capítulos e
versículos dos livros sagrados que eles sabiam de memória, sem jamais bem
compreender o que haviam decorado. Foram os fariseus leitores da Bíblia que não
viram a luz e mataram o Filho de Deus. Diante da luz da verdade, eles não viram
a luz. Eles foram "cegos ao meio dia" (Deut. XXVIII, 29). Por isso,
Jesus os chamou de "cegos" (Mt XV, 14) e "guias de cegos"
(Mt. XXIII, 16).
Foi acerca dos fariseus, leitores e mestres da Bíblia,
que profetizou Isaías, dizendo: "Surdos, ouvi, e vós, cegos, abri os olhos
para ver. Quem é cego, senão o meu servo (Israel)? E quem é surdo, senão aquele
a quem enviei os meus profetas? Quem é cego como o dileto, e surdo como o servo
do Senhor? Tu, que vês tantas coisas, não as observarás? Tu, que tens os
ouvidos abertos, não ouvirás?" (Is. XLII 18-20). Repare-se que, nesse
texto, Deus não repreende os judeus por não lerem a Bíblia. Ler, eles liam. O
mal é que não entendiam. Eram leitores cegos. Como tantos outros, hoje.
Estultos e cegos" (Mt. XXIII, 17).
Como castigo do orgulho com que os judeus liam os livros
sagrados, sem quererem ouvir a palavra de Deus, a própria Sagrada Escritura
diz: "Porque o Senhor espalhou sobre vós um espírito de adormecimento, ele
fechará os vossos olhos, cobrirá (com um véu) os vossos profetas e príncipes,
que têm visões. A visão de todos eles será para vós como as palavras de um
livro selado, que, quando o derem a um homem que sabe ler, e lhes digam: ‘Lê
esse livro’, ele responde: ‘Não posso, porque está selado’. Dar-se-á a um homem
que não sabe ler e se dirá:‘Lê ‘; ele responderá: ‘Não sei ler" (Is. XXIX,
10-13).
Desse texto se deduz que não adianta querer ler um livro
selado. Ora, a Escritura é um livro selado, e suas chaves foram dadas a Pedro.
Quem não tem as chaves não pode abrir esse livro. E quem pretende saber lê-lo
sem ter as chaves ou sem saber ler, está fazendo isso com o véu do adormecimento
e da ilusão sobre os olhos.
Um homem que saiba ler deve ter a humildade de não
pretender fazer isso sem a autorização e a aprovação daquele que tem as chaves.
Só se deve ler a Bíblia com espírito de humildade, aceitando o que o Papa ligou
e desligou a respeito do texto sagrado.
Os fariseus - como os protestantes, hoje - eram desses
pretensiosos que julgavam saber ler, e por isso Deus os castigou com a cegueira
de seu próprio orgulho, pois que davam importância à letra da Escritura, letra
que mata, julgando estar em sua leitura a salvação. Por isso, Nosso Senhor
Jesus Cristo os advertiu, argumentando contra eles: "Examinai as
Escrituras, visto que julgais ter nelas a vida eterna; elas são as que dão
testemunho de Mim; e não quereis vir a Mim, para terdes vida. (...) Moisés, em
quem vós confiais, é que vos acusa. Porque se vós crêsseis em Moisés,
certamente creríeis em Mim; porque ele escreveu de Mim. Porém, se vós não dais
crédito aos seus escritos, como haveis de dar crédito às minhas palavras?"
(Jo. V, 39-40 e 45 a 47).
Essas frases de Jesus Cristo são extremamente importantes
para o tema que estamos analisando, e nelas sublinhamos as palavras decisivas.
Em primeiro lugar, Cristo argumenta contra os fariseus
dizendo que eles acreditavam - como os protestantes, hoje - que das Escrituras
é que eles obteriam a vida eterna. Ora, a vida eterna só se obtém por meio de
Cristo, e não da "letra que mata" (II Cor. III, 6). Não é lendo a
Bíblia que se alcança a vida eterna.
Em segundo lugar, note-se que Cristo, argumentando ad
hominem, diz: já que vós, fariseus, dizeis crer nas Escrituras, examinai-as e
nelas vereis que elas falam de Mim.
Finalmente, repare-se que Cristo diz que os fariseus
confiavam em Moisés, mas não davam crédito a seus escritos.
Portanto, é possível ler a Escritura sem crer nela. Pois
é assim também que fazem os protestantes de ontem e de hoje: dizem confiar na
Bíblia, mas recusam crer no que ela ensina.
Para forçar a Sagrada Escritura a concordar com eles, os
fariseus deturpavam o que ela dizia, acusando Cristo de violar a Lei. O mesmo
fizeram, depois, os primeiros hereges; e a mesma coisa fazem hoje; e farão no
futuro, os hereges de amanhã. Por isso São Pedro escreveu, dos que lêem a
Bíblia forçando interpretações falsas: "(...) os indoutos e inconstantes
adulteram [as palavras de São Paulo] (como também as outras Escrituras) para a
sua própria perdição" (II Pe. III,16).
Que os rabinos dos judeus liam as Escrituras nas
Sinagogas e não as entendiam, porque não davam crédito a seu significado e sim
apenas à letra, está registrado em várias passagens da Bíblia. Assim:
"Porque os habitantes de Jerusalém e os seus chefes, não conhecendo esse
[Cristo] nem as vozes dos Profetas, que cada sábado lêem, condenando – O, as
cumpriram" (At. XIII, 27).
Portanto, os rabinos judeus liam as escrituras mas não as
entenderam, pois não reconheceram a Cristo Redentor. O próprio Moisés, a quem os
rabinos judeus diziam seguir e do qual liam com cuidado os textos, até contando
as letras - as letras que matam - profetizou sobre eles ao dizer: "Eis que
os filhos de Israel não me ouvem (Ex. VI, 12).
Isso é confirmado noutra passagem que diz praticamente a
mesma coisa: "Porque Moisés, desde tempos antigos, tem em cada cidade
homens que pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados" (At. XV,
21). Era lido e não era acreditado. Que adiantava, então, aos rabinos e judeus
lerem a Bíblia nas suas sinagogas? Que adianta aos hereges lerem as letras da
Escritura, se não as entendem, e por isso morrem, mortos pela letra?
As Escrituras Sagradas eram lidas por autoridades
idôneas, muitas vezes estabelecidas diretamente por Deus, as quais o povo devia
ouvir, atendendo ao que era lido e explanado. Isso pode ser confirmado por
inúmeros textos da Bíblia. Citaremos, com risco de sermos monótonos, alguns
deles.
Em primeiro lugar, cabia aos sacerdotes e anciãos ler a
lei, para ensiná-la ao povo, que devia ouvir e não ler: "Escreveu, pois,
Moisés, esta lei, e a entregou aos sacerdotes filhos de Levi, que levavam a
arca da Aliança do Senhor, e a todos os anciãos de Israel. E ordenou-lhes,
dizendo: "todos os sete anos, no ano da remissão, na solenidade dos
tabernáculos, quando todos os filhos de Israel se juntarem para aparecer diante
do Senhor, teu Deus, no lugar que o Senhor tiver escolhido, lerás as palavras
desta lei diante de todo o povo, o qual OUVIRÁ, estando congregado todo o povo
num mesmo lugar, tanto homens como mulheres, meninos e estrangeiros, que estão
dentro de tuas portas, para que, OUVINDO, aprendam e temam o Senhor vosso Deus,
e guardem e cumpram todas as palavras desta lei; e para que também seus filhos,
que agora ignoram, as possam ouvir, e temam o Senhor seu Deus durante todos os
dias que viverem na terra, da qual, passado o Jordão, ides tomar posse"
(Deut. XXXI, 9 – 13).
A passagem é claríssima. Não é o povo que deve ler. O
povo comum deve ouvir. É o contrário do que querem os hereges protestantes:
querem eles mesmo ler, embora não sejam idôneos nem capazes.
No mesmo livro do Deuteronômio, há outra passagem que dá
direito e obrigação também ao Rei, para ler a Escritura: "Depois que [o
Rei] se tiver sentado no trono de seu reino, escreverá para si num livro o
Deuteronômio desta lei, recebendo o exemplar dos sacerdotes, da tribo de Levi.
Te-lo-á consigo e o lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o
Senhor, seu Deus, e a guardar as suas palavras e cerimônias que estão
prescritas na lei" (Deut. XVII, 18-19).
O rei - e não qualquer um - tem direito e obrigação de
ler a lei, depois de recebê-la dos sacerdotes.
Já no Exôdo, Moisés fez o mesmo: leu a lei para o povo
que ouvia: "E tomando o livro da Aliança [Moisés] o leu na presença do povo,
o qual disse: ‘Faremos tudo o que o Senhor disse [e não escreveu] e seremos
obedientes (Ex. XXIV, 7).
Josué, quando recebeu a autoridade sobre o povo, seguiu o
mesmo costume: ele lia a lei. O povo a ouvia: "E primeiramente Josué
abençoou o povo de Israel. Depois disso, leu todas as palavras da benção e da
maldição e tudo o que estava escrito no livro da lei" (Jos. VIII, 34).
Josué leu porque era a autoridade idônea. O povo apenas ouviu.
Quando foi encontrado o livro da lei, no tempo do Rei
Josias, ele reuniu o povo na casa do Senhor, "e, estando eles [membros do
povo] a ouvir na casa do Senhor, o Rei leu todas as palavras do livro" (II
Cr. XXXIV, 30).
Que era direito e dever dos Reis e Sacerdotes ler a lei
ao povo que ouvia, se constata na manutenção desse costume através dos tempos.
Também Esdras agiu assim: "O Sacerdote Esdras levou, pois, a lei para
diante da multidão dos homens e das mulheres. e de todos os que a podiam
entender, no primeiro dia do sétimo mês. Leu naquele livro claramente, no meio
da praça que fica diante da porta das águas, desde manhã até o meio dia, na
presença dos homens, das mulheres e dos sábios. Todo o povo tinha os ouvidos
atentos" (II Esd. VIII, 2-3).
No Eclesiástico (Sabedoria de Sirac) se pode encontrar a
seguinte lição: "Inclina o teu ouvido e recebe a palavra da
Sabedoria" (Sir. II 2). E ainda: "Se me ouvires, receberás a
instrução, e se fores amigo de ouvir serás sábio" (Sir. VI, 34). E mais:
"Apliquei um pouco o meu ouvido e logo a recebi [a sabedoria]" ( Sir.
LI, 21).
Não é, portanto, a mera leitura da Bíblia que traz a
sabedoria.
Isaías não ensina diferentemente: "O Senhor deu-me
uma língua erudita, para eu saber sustentar com a palavra o que está cansado;
Ele me chama pela manhã, pela manhã chama aos meus ouvidos, para que eu o ouça
como a um mestre" (Is. L, 4-5). "Ouvi-me com atenção, e comei o bom
alimento e a vossa alma se deleitará com manjares substanciosos. Inclinai o
vosso ouvido e vinde a mim. Ouvi e vossa alma viverá" (Is. LV, 2-3).
Repetimos: não está dito: "Lêde e vossa alma
viverá". E sim: "Ouvi e vossa alma viverá".
Para o profeta Jeremias, Deus disse: "Vai e grita
aos ouvidos de Jerusalém" (Jer. II,2). Deus não mandou que Jeremias
mandasse o povo ler a profecia, nem que pusesse diante dos olhos a letra que
mata, mas que gritasse aos ouvidos do povo a sua palavra. Por isso, logo
depois, Jeremias recomenda: "Ouvi as palavras do Senhor" (Jer. II,
4).
E ainda em outra passagem, Deus reitera ao profeta:
"E o Senhor me disse: Prega em alta voz todas estas palavras, nas cidades
de Judá e fora de Jerusalém, dizendo: ‘Ouvi as palavras desta aliança e
observai-as’. Ouvi a minha voz". "E não a ouviram, nem prestaram
ouvidos, mas cada um seguiu a depravação do seu coração maligno. "E o
Senhor me disse: ‘Uma conjuração se descobriu entre os varões de Judá e entre
os moradores de Jerusalém. Tornaram às suas antigas maldades de seus pais, que
não quiseram ouvir as minhas palavras" ( Jer. XI, 6-9).
E mais: "Porém, não ouviram, nem inclinaram o seu
ouvido, mas endureceram a sua cerviz, para não me ouvirem, nem receberem a
instrução. Apesar disso, se me ouvirdes..." (Jer. XVII, 23-24). "...
e vossos pais não me ouviram, nem inclinaram o seu ouvido ( Jer. XXXIV,14).
"Não ouviram, nem inclinaram o seu ouvido para se converterem de suas
maldades e para não sacrificarem a deuses estranhos" (Jer. XLIV, 5).
Nos Atos dos Apóstolos está dito: "Vai a esse povo e
dize-lhes: ‘Com o ouvido ouvireis e não entendereis, e, vendo, vereis e não
distinguireis. Porque o coração desse povo tornou-se insensível, e são duros
dos ouvidos, e fecharam os seus olhos para que não vejam com os olhos, e ouçam
com os ouvidos e entendam com o coração, e se convertam, e Eu os sare"
(Atos, XXVIII, 26-28).
Como o protestante lê que "O ouvido do sábio busca a
doutrina" (Prov. XVIII, 15), e continua apenas lendo?
E como continua apenas lendo, se está dito que "o
ouvido virtuoso ouvirá a Sabedoria" (Sir. III, 31), e não que
"lerá" a sabedoria?
Dirão: "Esses são livros que não aceitamos como
inspirados". Confessarão, assim, que são eles que determinam o que foi
inspirado ou não; que é sua opinião que vale, e não o que ensina a Igreja.
Mesmo assim, por que não compreendem que os Salmos, que
eles aceitam como inspirados, dizem a mesma doutrina? Nos salmos se pode
encontrar esta palavra: "Escuta, ó filho, vê e inclina o teu ouvido"
(Sl. XLIV, 5).
E mais: "Ouvi todos isso, ó nações, estai atentos
vós todos os que povoais a terra" (Sl XLVIII,2). "A minha boca falará
a sabedoria e a meditação de meu coração é sensata. Inclinarei à parábola o meu
ouvido..." (Sl. XLVIII 4-5).
Também o salmo LXXVII, 20 repete a mesma lição:
"Escuta - não diz lê - a minha lei, povo meu. Inclina os teus ouvidos às
palavras de minha boca". A lei estava escrita; entretanto, Deus manda não
que se leia, mas que se ouça.
É monótono repetir tantas vezes a mesma coisa, mas a
teimosia exige a repetição. Por isso, foi também que Deus insistiu tanto no uso
do verbo ouvir e não do verbo ler.
Tendo demonstrando que os Salmos ensinam a mesma coisa
que os Provérbios, citaremos mais uma passagem desse livro: "Filho meu,
ouve meus discursos e inclina o teu ouvido às minhas palavras" (Prov. IV,
20). "Inclina o teu ouvido, e ouve as palavras da sabedoria, e aplica o
coração às minhas palavras" (Prov. XXII, 17).
E mais uma vez: "Meu filho, atende à minha
sabedoria, e inclina o teu ouvido à minha prudência" (Prov. V, 1). O
ensinamento é constante e invariável: deve-se ouvir. O ensinamento que se
repete não é: deve-se ler. Só os protestantes insistem em não ouvir. Eles só
pensam que sabem, e que devem ler. Que todos sabem, e que todos devem ler. E
exigem que se leia, não que se ouça. A recomendação deles, portanto, é
contrária à de Deus.
Às palavras sábias e inspiradas que até aqui
reproduzimos, o protestante poderia responder: "Não ouvi a voz dos que
ensinavam, nem dei ouvidos aos mestres" (Prov. V, 13). Nosso Senhor Jesus
Cristo os previne, com as palavras do evangelho de São João, de que são seus
discípulos os que ouvem a voz do pastor, daquele que foi posto pelo porteiro,
pois ninguém pode se dar a si mesmo o título de pastor. Deve e só pode
recebê-lo do porteiro. E o porteiro tem que ter as chaves da porta, para abrir
e fechar. E as chaves foram dadas a Pedro. Portanto, quem não reconhece a voz do
pastor autorizado pelo porteiro, não pode se salvar: "Mas o que entra pela
porta é pastor das ovelhas. A este o porteiro abre e as ovelhas ouvem a sua
voz, ele as chamará pelo nome e as tirará para fora" (Jo. X, 2).
Inúmeros outros textos poderiam ser citados comprovando,
todos, esta mesma lição: nem todos devem ler a Sagrada Escritura. Todos somos
obrigados a ouvir o que Deus nos ensinou por ela. E quem Deus encarregou de
ensinar a Revelação? Cristo deu a Pedro as chaves do Reino dos Céus (Cfr. Mt. XVI,13-20).
É pois o papa, sucessor de Pedro, quem tem o munus de ensinar o que está
contido na Revelação.
É o que diz Leão XIII, na encíclica Providentissimus
Deus: "É preciso observar que, se os escritos antigos são mais ou menos
difíceis de serem entendidos, para entender a Bíblia há, em acréscimo, ainda
outras razões particulares. Porque a linguagem bíblica é usada, sob inspiração
do Espírito Santo, para expressar muitas coisas que estão além do poder e do
alcance da razão; noutras palavras, os mistérios divinos e tudo o que está
relacionado com eles. Há, muitas vezes, em algumas passagens uma plena e
escondida profundidade de significado, que a letra expressa com dificuldade e
que as leis da interpretação gramatical dificilmente garantem. Mais ainda, o próprio
sentido literal freqüentemente admite outros sentidos, adaptados para ilustrar
o dogma ou para confirmar a moral. Porque, é preciso reconhecer que a Sagrada
Escritura está envolta em uma certa obscuridade religiosa, e que nem toda
pessoa pode penetrar em seu interior sem um guia: Deus assim dispondo, como
ensinavam comumente os Santos Padres, para que os homens pudessem investigar as
Escrituras com mais ardor e seriedade, e para que, o que fosse atingido com
mais dificuldade calasse mais profundamente na mente e no coração; e, mais que
tudo, para que eles pudessem compreender que Deus entregou as Sagradas
Escrituras para a Igreja, e que lendo e fazendo uso de sua palavra, eles
deveriam seguir a Igreja como sua Guia e sua Mestra.
A necessidade de haver uma Guia e Mestra para compreender
a Sagrada Escritura decorre, então, do próprio modo como Deus a fez redigir.
E por que Deus não fez os homens com capacidade de lerem
e entenderem a Sagrada Escritura sem necessitar de outro homem como mestre e
guia? Por que quer Deus que o homem aprenda pela boca de outro e receba a Fé
pelo ouvido? Não poderia Deus ter feito como os protestantes pensam que Ele
fez, inspirando cada um para que lesse a Escritura e dando ao leitor a
compreensão de seu sentido objetivo por inspiração divina direta?
Deus não fez assim porque Ele quer salvar os homens por
meio de homens. Por isso, Ele escolheu Apóstolos e Discípulos e lhes ordenou:
"Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo" (Mat. XXVIII, 19).
Deus quis que alguns homens fossem meio de salvação para
outros para que os homens se amassem mutuamente, visto que ensinar a verdade a
um homem é praticar um ato de sumo amor por ele.
A posição protestante, que não admite nenhum homem como
intermediário como meio de ensinar a verdade, é contrária ao que revela a
própria Bíblia, que nos mostra que Deus incumbiu alguns de ensinarem outros, e
que a Fé vem pelo ouvido. A recusa de ter qualquer mestre é reveladora de um
profundo orgulho. E é uma atitude tão contrária à realidade que os mesmos que
não admitem que um homem ensine outro, vão de porta em porta ensinando a outros
que devem ler a Bíblia. E, depois, lêem na Bíblia que "A letra mata"
(II Cor. III, 6).
IV - Sentidos das palavras e da EscrituraErram também os
protestantes ao supor que possam, sozinhos, compreender os vários sentidos da
Sagrada Escritura. Antes de qualquer análise desses sentidos, porém,
haver-se-ia que levantar um problema preliminar: quais os livros que fazem
parte da Bíblia? Os judeus tinham muitos outros livros religiosos que,
entretanto, não foram considerados inspirados por Deus, e, por isso, nunca
fizeram parte da lista dos livros da Sagrada Escritura. Eram os chamados livros
apócrifos. Também depois da ressureição de Cristo e de sua Ascenção ao Céu
surgiram muitos livros apócrifos que não foram tidos como inspirados e nem
foram incluídos no rol dos livros do Novo Testamento. Tipos de palavras
Quem julgou quais livros fazem parte dos textos
inspirados por Deus? Essa é uma questão fundamental. De sua solução dependerá a
fé. Entre os antigos judeus, foi a tradição que estabeleceu os critérios de
inspiração. No Novo Testamento, foram a Tradição e a Igreja que determinaram
quais os livros inspirados por Deus e que devem fazer parte do cânon das
Escrituras.
Conhecidos quais os livros componentes da Bíblia, há que
tratar ainda de outros problemas de interpretação.
Não pretendemos fazer, neste simples artigo, uma
exposição exaustiva de exegese. Visamos apenas indicar certos problemas
existentes na leitura da Bíblia. Por isso, nos ateremos apenas a aludir a
alguns pontos mais importantes da exegese bíblica.
As palavras humanas são de três tipos diferentes.
Algumas palavras têm um só sentido: são as palavras unívocas.
Ex. copo, giz, vento, água.
Um segundo tipo de palavras é o daquelas que têm vários
sentidos diferentes, sem qualquer relação entre si: são as palavras equívocas.
Ex. manga, que tanto pode significar uma fruta quanto uma parte do vestuário.
Vela é um segundo exemplo de palavra equívoca, porque pode significar um objeto
para ser aceso e iluminar, ou uma tela para captar o vento e mover um barco. E
não há relação alguma entre vela de pavio e vela de navio.
O terceiro tipo de palavras é o daquelas que têm vários
sentidos com alguma relação entre si. Essas são as chamadas palavras análogas.
Por exemplo, a palavra pé pode ser usada para designar uma parte do corpo
humano, uma parte de um animal, ou ainda o pé de uma cadeira. É claro que essas
três coisas designadas pela palavra pé têm algo em comum que as torna
semelhantes. Todas sustentam algo. Mas é claro também que o pé de uma cadeira
só é pé por analogia ou semelhança com o pé humano: ambos dão sustentação, ao
corpo do homem e à cadeira. Pé é uma palavra análoga.
Ora, ao falarmos ou escrevermos, usamos os três tipos de
palavras, o que pode provocar enganos ou erros de interpretação do que queremos
dizer. Com as Sagradas Escrituras ocorre o mesmo: Deus usou os três tipos de
palavras, o que pode provocar erros de interpretação.
Tome-se, por exemplo, a palavra irmão. Se a palavra irmão
for tida como unívoca – significando filhos de um mesmo casal – então, quando
se lê que os irmãos de Jesus foram a seu encontro, se concluirá que Nossa
Senhora teve vários filhos, e que, portanto, não permaneceu virgem. E essa é a
interpretação seguida pelos pastores protestantes.
Ora, esses mesmo pastores, ao falarem a seus
correligionários na praça, se referem a eles como irmãos. Considerando, eles,
que a palavra irmão é unívoca, estarão dizendo que todos os que estão na praça
são seus irmãos carnais, e estarão afirmando que houve com os pais deles um
número enorme de adultérios. O pastor estaria ofendendo a todos, chamando-os de
filhos adulterinos. Evidentemente, isso é um absurdo.
Quando o pastor chama seus correligionários de irmãos,
ele está usando o termo em sentido análogo: ele quer dizer que todos os
correligionários são irmãos numa mesma crença, no caso, crença herética.
Portanto, o termo irmão é análogo, e não unívoco. Irmãos
de Jesus, então, não significa irmãos carnais. Na linguagem bíblica, irmão quer
dizer apenas parente. Por isso, Abraão chamava Lot de irmão (Gn. XIII, 8)
quando este era, na verdade, seu sobrinho (Gn. XII, 5).
O fato de haver nas Sagradas Escrituras termos unívocos,
análogos e equívocos pode provocar interpretações falsas, que redundam até em
heresia.
De que nos adiantaria termos a Bíblia se, não tendo meio
de distinguir o sentido das palavras - que variam conforme o seu tipo - não a
interpretaríamos segundo o sentido que Deus quis usar? Modos de empregar as
palavras
Há ainda outra dificuldade proveniente dos vários
sentidos que pode ter uma palavra, conforme é empregada de modo relativo ou
absoluto.
Veja-se outro exemplo: a palavra odiar.
Essa palavra normalmente significa querer o mal, isto é,
a perda de um bem. Deus condena o ódio, e Cristo ordenou que amássemos o nosso
próximo como a nós mesmos, por amor de Deus. Entretanto, Cristo disse:
"Aquele que não odiar seu pai e sua mãe por minha causa, não pode ser meu
discípulo" (Luc. XIV, 26)
Isso parece, à primeira vista, ser o contrário do que
Deus ordenou no quarto mandamento do Decálogo: "Honra teu pai e tua mãe
para que tenhas uma vida dilatada sobre a terra que o Senhor teu Deus te dará"
(Ex. XX,12).
Evidentemente, Cristo não pode ter ordenado que se odeie
aos pais, nem pode ter posto o ódio aos pais como condição para ser seu
discípulo. Cristo empregou o verbo odiar em sentido relativo, e não em sentido
absoluto. Ele quis dizer que, havendo oposição entre o amor aos pais e o amor a
Deus, deve-se preferir o serviço de Deus e até abandonar os pais, se for
necessário, para servir a Deus, praticando com relação aos pais um ato de ódio
relativo. Entre o amor absoluto, que devemos somente a Deus, e o amor relativo
aos pais, devemos, caso seja necessária uma opção, preferir o amor a Deus.
Figuras de retórica
A Sagrada Escritura, como qualquer outro tipo de texto,
emprega as figuras de estilo próprias da linguagem humana: usa de metáforas,
comparações, hipérboles, sinédoques, etc.
Freqüentemente, é impossível, portanto, tomar as palavras
em seu sentido próprio. Deve-se entendê-las figuradamente, de acordo com o tipo
de figura de retórica utilizada.
Assim, quando Cristo chama Herodes de "essa
raposa" (Luc. XIII, 32) seria absurdo entender o termo de modo literal e
não metafórico. Quando Ele chama os fariseus de "filhos do demônio"
(Jo. VIII 44), embora o demônio não possa de fato ter filhos de modo próprio -
pois ele não tem corpo nem capacidade de gerar filhos - ele pode ter
"filhos" de modo analógico. Portanto, a expressão "filhos do
demônio" aplicada aos fariseus não é propriamente uma metáfora, e sim uma
outra forma de analogia.
Gêneros literários
A Sagrada Escritura contém livros de vários gêneros
literários diferentes. Lá, existem livros históricos, proféticos, hinos,
orações, textos jurídicos ou legais, livros sapienciais. Conforme o gênero
literário empregado, há um modo diverso de entender as palavras. O que é contado
num livro histórico são fatos realmente acontecidos. As imagens empregadas nas
profecias são figuras simbólicas de fatos futuros não acontecidos. Assim, os
animais da profecia de Daniel são símbolos de reinos que haveriam de vir, e a
própria Bíblia os explica assim (Dan. VII, 17).
Sentido Histórico
É importante compreender que as palavras podem ter
variações de significado conforme a época em que foram usadas. Hoje, a palavra
"formidável" significa coisa de grande valor, excelente, como quando
se diz: "Esse livro é formidável". Entretanto, a palavra formidável,
originalmente, queria dizer "coisa que dá medo". Esse significado
desapareceu em nossos dias. Por essa razão, deve-se conhecer o significado e o
contexto histórico de um texto.
Cada autor emprega as palavras no sentido em que eram
usadas em sua época. É necessário, pois, conhecer o contexto histórico em que
viveu o autor de um livro sagrado.
Parábolas
Nosso Senhor Jesus Cristo, para ensinar ao povo,
freqüentemente empregava parábolas, que são pequenas histórias fictícias,
contendo ensinamentos doutrinários, morais e místicos.
O Evangelho contém inúmeras parábolas, a ponto de São
Marcos dizer: "Não lhes falava sem parábolas, porém tudo explicava em
particular a seus discípulos" (Mc. IV, 34).
Por que falar em parábolas? Por que, muitas vezes, Nosso
Senhor se exprimia parabolicamente e não falava diretamente?
Os próprios Apóstolos, certa vez, fizeram essa pergunta a
Jesus, que lhes respondeu, dizendo: "Porque a vós é concedido conhecer os
mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido. Porque ao que tem
lhe será dado, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será
tirado. Por isso lhes falo em parábolas, porque vendo não vêem, e ouvindo não
ouvem, nem entendem" (Mt. XIII, 11 –13).
A parábola contém um ensinamento literal facilmente
acessível aos homens simples, mas, sem qualquer violação do sentido literal
primeiro, pode conter outros ensinamentos doutrinários, morais, ou místicos.
Sentidos das Sagradas Escrituras
Isso nos conduz à questão dos sentidos das Sagradas
Escrituras.
Normalmente distinguem-se quatro sentidos fundamentais
nas Sagradas Escrituras:
1 - O Sentido Literal;
2 - O Sentido Doutrinário;
3 - O Sentido Moral;
4 - O Sentido Místico.
O sentido literal é o fundamental, e nele, sem violação
ou sem forçar o texto, podem ser encontrados os outros três sentidos
fundamentais.
Daí, os famosos versos: "Littera gessa docet; quid
credas, allegoria;
Moralis, quid agas; quo tendas, anagogia"
(A letra ensina os fatos; o que deves crer, a alegoria;
O que deves fazer, o moral; a que deves tender, a
anagogia)
Sentido literal é aquele que é expresso de modo
verdadeiro, real, atual, imediato e desejado pelo autor do texto sagrado. É o
sentido que decorre diretamente do texto, sem que seja feita uma dilatação, ou
extensão, do sentido das palavras além do normal; é o sentido atual, e não uma
dedução silogística; imediato, e não por analogia ou simbolicamente.
O sentido literal, ele mesmo, pode ter vários sentidos
diversos. Por exemplo, na profecia de Caifás. Ao dizer ele: "Convém que
morra um homem pelo povo" (Jo XI, 50). A própria seqüência do Evangelho
explica que Caifás, ao dizer isso, profetizou, dizendo de fato outra coisa
(Cfr. Jo. XI, 51).
Além disso, pode-se inferir, legitimamente, um sentido
derivado do literal: é o Sentido Derivativo, ou conseqüente, que é aquele que
legitimamente decorre do sentido genuíno literal.
É o que faz São Paulo ao citar a frase de Jeremias
"Não se glorie o sábio no seu saber, nem o forte na sua força, nem se
glorie o rico em suas riquezas" (Jer. IX, 23). São Paulo diz: "O que
se gloria, glorie-se no Senhor" (I Cor. I, 31).
Do sentido literal pode-se ainda fazer uma acomodação,
quer extensiva, quer alusiva. Pela acomodação, as palavras da Sagrada Escritura
são aplicadas analogicamente a um outro sujeito ou a coisa diferente daquela a
que se aplicava originalmente um texto escriturístico anterior, ou ainda
fazendo-se alusão a palavras usadas na Escritura em outro contexto.
Acomodação extensiva é aquela que foi feita usando o
texto do Eclesiástico: "Noé foi encontrado perfeito e justo, e no tempo da
ira tornou-se a reconciliação dos homens" (Jer XLIV, 17"),
aplicando-se o que foi dito de Noé para outros personagens santos.
Acomodação alusiva foi o que fez Nosso Senhor Jesus
Cristo ao usar as palavras do Salmo VI, 9: "Apartai-vos de mim todos os
que praticais a iniqüidade, porque o Senhor ouviu a voz de meu pranto", no
Sermão da Montanha: "Então eu lhes direi bem alto: "Nunca vos
conheci; apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniqüidade" (Jo. VII,
23).
O sentido literal inclui o sentido próprio e o sentido
figurativo.
Quando a Bíblia fala do braço de Deus, ela não quer dizer
que Deus, de fato, tenha braço. É um modo figurado de dizer que Deus tem poder.
Esse sentido figurativo sempre tem base no sentido literal, mas não deve ser
entendido de modo próprio.
No sentido literal está incluído o sentido típico.
Chama-se típico esse sentido porque usa um
"tipo" (pessoa, animal, coisa ou fato acontecido) como imagem ou
figura de outro, que seria o antitipo.
O Tipo conduz ao sentido espiritual, isso é, ao Antitipo.
Exemplos de Tipo e de Antitipo são Isaac e Cristo, o
sacrifício de Abraão e o sacrifício do Calvário, o sono de Adão e morte de
Cristo, e tantos outros mais.
O sentido típico difere do sentido acomodatício, porque é
realmente expresso. Difere da conseqüência, porque é atualmente expresso, e não
deduzido. Difere do literal, porque não é expresso imediatamente.
O Sentido Típico é chamado Alegórico, ou doutrinário,
quando exprime uma verdade em que se deve crer.
Chama-se Sentido Moral, quando exprime o que se deve
fazer.
Finalmente, chama-se Sentido Místico, quando exprime
aquilo que devemos amar, e a que devemos tender.
Assim, Jerusalém, a cidade santa dos judeus,
alegoricamente, significa a Igreja Católica; moralmente, significa o céu, o bem
esperado, que só se alcança pela prática dos mandamentos; e, misticamente,
representa a alma.
V - Conclusão
Levando em conta tudo isso, compreende-se que é
extremamente difícil interpretar corretamente a Bíblia, e que imensa confusão
produz o livre exame.
Por isso, São Pedro previne em sua segunda Epístola:
"Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular" (II Pe.
I, 20).
Daí a necessidade de Deus ter dado a alguém "as
chaves" de sua interpretação. Foi Pedro quem recebeu essas chaves, quando
o próprio Cristo lhe disse: "Bem aventurado és tu, Simão Bar Jonas, porque
não foi a carne, ou o sangue que te inspiraram, mas meu Pai que está nos céus.
E eu te digo que tu és Pedro, e sobre essa pedra eu edificarei a minha Igreja,
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do
Reino dos céus; e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus;
e tudo o que desligares sobre a terra será desligado também nos céus" (Mt.
XVI, 17-20)
Portanto, somente o Papa pode dar a interpretação
certíssima e indubitável das Sagradas Escrituras, devendo os fiéis ouví - la e
observá-la docilmente.
Compreende-se agora claramente o que disseram os
Provérbios:
"Assim como o espinheiro está na mão do bêbado,
assim está a parábola no boca dos ignorantes" (Mt. XXI, 42)
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